Conto: O médico

17 de jul. de 2015

Estava tudo escuro e minha cabeça doía. Doía pra valer. Eu não sabia ao certo o que havia acontecido, mas sentia minhas mãos atadas encostarem nas minhas costas e a agonia por não conseguir mexê-las. Meu coração estava disparado, eu hiperventilava, o que mais estaria por vir? Algo cobria minha cabeça, e o ambiente escuro tornava-se propício a ser o cenário dos meus piores pesadelos. 

*** 

Tudo começara como uma brincadeira. Meus amigos e eu, entrando num lugar abandonado simplesmente porque poderia ser divertido encontrar uma alma penada ou duas. Derrubar algumas tábuas no chão e assustar os outros. Eu e Mariana havíamos combinado tudo isso, já sabíamos até em quais cômodos da casa pregaríamos as maiores peças em Pedro e Gabriela. Iríamos percorrer todos os corredores, entrar em todas as portas. Já havíamos feito isso antes. Mas nunca naquela que estava trancada. Era impossível de ser aberta, já tentáramos diversas vezes e nunca obtivéramos sucesso. Desistimos. 
Era quarta-feira, estávamos no final das férias de verão, e como de costume, faríamos nosso encontro anual que marcava o início da última semana sem escola. Ela deveria ser a mais divertida, então faríamos pra valer. 
Por volta das 22h, saímos da minha casa, onde voltaríamos mais tarde para dormir. Meus pais não estavam na cidade, e já que normalmente ela era calma, achamos que não havia problema em sair para dar uma volta até a casa no fim da rua. Eu e Mariana os desafiamos, e eles não se deixariam vencer por duas babacas de 14 anos. Então nós fomos. Era hora de invadir aquela casa. 
Andamos até ela sem fazer muito alarde - não queríamos que os vizinhos achassem que estávamos roubando ou depredando algo. Atravessamos o gramado não muito extenso, e por fim, estiquei a mão para tocar a maçaneta da porta e entrar para um mundo totalmente diferente do que estávamos acostumados. A porta rangeu ao entrarmos e eu sabia que o piso de madeira iria nos ajudar a contar quantos passos dávamos ali. 
Por causa do clima quente, a casa estava abafada. Haviam móveis antigos que já começavam a recusar a cobertura de poeira e davam lugar ao mofo. O encanamento havia estourado há alguns dias e tornara isso possível. Toda a casa era antiga, assim como tudo ali dentro. As louças da pia, a direita, estavam quebradas dentro da pia e cobertas com água preta. Não prestamos muita atenção aos detalhes. Seguimos direto para um dos quartos no corredor. 

- E foi aqui - iniciou Mariana - deitado nesta cama, neste quarto, que o antigo proprietário foi morto. Ele foi assassinado a facadas em uma chacina terrível. Nunca encontraram o agressor. 

- Dizem que seu espírito ainda anda por aqui, em busca de vingança. - Completei, sorrindo maliciosamente ao me satisfazer com a cara de susto dos outros dois. - Ainda há o quarto da criança, mas deixarei que vocês o encontrem por si só. Vocês saberão quando encontrarem. Estaremos atrás de vocês.

Eles nem mesmo imaginavam! Ah, nossa ideia era genial. Assim que entrassem pela porta certa, eles levariam o maior susto de suas vidas. Havíamos combinado com outra amiga nossa e ela estaria ali, esperando por eles para pregar-lhes uma peça. 
Passo por passo, seguimos pelo extenso corredor. Pedro foi um pouco mais além. Gabi parou em frente a porta marcada, e Pedro, na última dali: a porta que não abria. Nos concentramos em Gabriela esticando a mão pela maçaneta e entrando lentamente no quarto. A qualquer momento, ela sairia dali gritando. 
Esperamos. Nada aconteceu. 
Seguimos atrás dela para em seguida descobrir que não havia ninguém ali. O quarto estava vazio, com alguns dos pertences antigos jogados no chão e a cama quebrada. Nicole havia nos dado o bolo. 

- Pessoal? - Pedro gritara. - O que é isso? 

Desapontados, saímos do quarto. Eu e Mariana apenas nos olhamos, sem deixar escapar um ruído sequer sobre o nosso plano desastroso. 

- O que foi, Pedro? - Perguntei. Não o enxerguei. Havia entrado em outro quarto? - Onde você está? 

- Aqui. - Disse ele, metendo a cabeça pra fora do cômodo que todos nós desconhecíamos. Como ele conseguira abrir aquela porta? - Vocês precisam ver isso. 

Mariana e eu gelamos. Sabíamos que era impossível abrir aquela porta. Sabíamos bem disso. Já tentáramos, já chamáramos gente para tentar em nosso lugar. Mas seguimos em frente. Não poderia ser nada tão ruim. De repente, de tanta força que já usáramos, ela houvesse cedido. 

- O que tem aí? - Mariana perguntou. 

- Pensei que vocês soubessem. Não vêm sempre aqui? - Ele debochou. 

- Só às vezes. - Comentei. 

- Olha só, não adianta ficar se fazendo. Eu sei que vocês planejaram algo pra nos assustar. - Ele desafiou. Entramos no quarto escuro. Estava sendo iluminado somente pela luz da lua que entrava pela janela quebrada e pela nossa lanterna. A única coisa que havia no local era uma alçapão. 

- Eu acho que talvez seja melhor voltarmos outra hora. - Mariana disse, assustada. Eu compreendia seu medo. Estávamos ouvindo vozes ali dentro. 

- Qual é, quem vocês esconderam ali dessa vez? Podem dizer. - Falou Gabi. 

- Só vamos embora, ok? 

Assim que eu virei as costas para seguir em direção à porta, comecei a ouvir passos. Mas não era possível, ninguém vinha ali. Nunca. A não ser que os vizinhos houvessem denunciado nossa presença ali, mas... 
Uma sombra parou em frente a porta. Um homem, alto e barbado. Pude ver a lua refletir nos seus óculos. Ele usava uma rouba branca, estranha. Deu dois passos a frente e começou a falar em um idioma que identifiquei como alemão. 

- Desculpe, policial, já estávamos de saída. - Falei. Não sei se ele entendeu, mas riu. 

Ele se aproximou de nós e foi em direção ao alçapão. Levantou a tampa que levava a algum compartimento secreto abaixo do solo e gritou alguma coisa. A única coisa que ouvimos em resposta foi "Yah!", e então ele se voltou para a gente. 
Olhei para os outros e pude perceber que estavam tão assustados quanto eu. Silenciosamente, começamos nos mover, um pé de cada vez, cada vez mais perto da porta. 

Ouvimos um barulho, e do alçapão, saía uma mulher com máscara cirúrgica e rouba de enfermeira. Ela possuía em sua mão quatro siringas. O homem foi mais rápido e bloqueou a saída, de forma que nós não pudéssemos passar. 

- Não vai doer nada. - A mulher prometeu.

Tentamos correr, mas um a um, conforme tentávamos fugir, fomos imobilizados. Senti que caía no exato momento em que a seringa perfurou meu pescoço. 

***

Eu lutava para continuar respirando de dentro daquele saco imundo que cobria minha cabeça. Conforme comecei a me debater, ouvi passos em minha direção. O saco fora retirado dali rapidamente pela mesma enfermeira de antes. 
Enxerguei uma mesa, o doutor, e Gabriela, que olhava para mim com os olhos arregalados. Suas pernas? Não soube do paradeiro. No lugar delas, havia algo que não consegui identificar. Comecei a chorar. Do meu lado direito, haviam duas cadeiras vazias. Do esquerdo, Nicole e Pedro encontravam-se da mesma forma que eu. Amarrados e com sua cabeça coberta. 
A médica sorriu para mim e colocou uma mecha do meu cabelo pra trás de minha orelha. 

- Não se preocupe, querida. Faremos com que não doa. Você pode até mesmo escolher com qual tipo de perna gostaria de ficar. 


Oi pessoal! Desculpem-me pelo comprimento do post, de verdade. Acabou ficando um pouquinho maior do que eu queria, mas espero que gostem mesmo assim. 

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